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Surdez unilateral passa a ser reconhecida por lei como deficiência.

A Lei nº 14.768/2023, publicada no dia 22 de dezembro de 2023, passou a garantir direitos de pessoas com deficiência a quem sofre surdez total em apenas um dos ouvidos, conhecida como “deficiência auditiva unilateral”. Até então, a legislação considerava apenas a limitação bilateral (aquela que acomete ambos os ouvidos) como deficiência.

De acordo com a exposição de motivos da nova lei, a deficiência auditiva unilateral, por interferir sensorial e psicologicamente na participação social plena das pessoas com essa limitação, inclusive em oportunidades no mercado de trabalho, deve ser compensada, entre outras medidas, pelo benefício da reserva de vagas para pessoas com deficiência em contratações e concursos públicos.

Pelo novo texto legal, considera-se deficiência auditiva a limitação de longo prazo da audição, unilateral total ou bilateral parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, obstrui a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

Será considerado surdo, de acordo com a lei, quem tem perda de 41 decibéis ou mais, aferida por audiograma em frequências de 500 hertz, 1 mil hertz, 2 mil hertz e 3 mil hertz. Logo, essa condição aferida em audiograma em apenas um dos ouvidos caracterizará o portador como pessoa com deficiência (PCD).

A alteração é importante, na esfera trabalhista, pois impacta no cumprimento da cota de pessoas com deficiência, prevista no artigo 93 da Lei 8.213/1991, a qual determina que a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência habilitadas.

Antes do advento desta nova lei, os casos de surdez unilateral eram discutidos de maneira individual no âmbito dos Tribunais.

No âmbito trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho, majoritariamente, já vinha considerando a surdez unilateral como circunstância a definir a condição de pessoa com deficiência[1]. Entretanto, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, em fiscalizações e procedimentos investigatórios, ainda adotavam a interpretação literal do artigo 4º, inciso II do Decreto nº 3.298/1999, bem como a inteligência da Súmula nº 552 do STJ[2], que classificavam apenas a surdez bilateral como deficiência.

A partir da promulgação da Lei nº 14.768/2023, espera-se pelo fim da judicialização do tema, bem como pela possibilidade de enquadramento automático de pessoas com deficiência auditiva unilateral como PCDs para fins de observância à cota legal da Lei nº 8.213/1991, desde que observados os parâmetros técnicos definidos em lei e desde que haja expressa anuência desses profissionais em integrarem a cota.

É importante ressaltar, por fim, que a nova lei terá vigência até que o Poder Executivo crie instrumentos para a avaliação da deficiência, conforme disposto no artigo 2º, §2º da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto das Pessoas com Deficiência). Com efeito, o §1º do mesmo dispositivo assevera que a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, que considerará fatores além do critério técnico aferido em audiometria ao caracterizar a deficiência auditiva.

A nossa equipe está à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais sobre o tema.

Contribuíram com esse artigo: Felipe Araújo, advogado da área consultiva, e Isabella Magano, sócia.

[1] O tema foi uniformizado pelo Órgão Especial do TST, no julgamento do RO-101637-15.2018.5.01.0000 (Redator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 08/03/2021).

No mesmo sentido, exemplificativamente:

Ag-RR-130892-94.2014.5.13.0009, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 10/03/2023.

RR nº 0164200-75.2012.5.17.0011; 2ª Turma; Rel. Delaide Miranda Arantes; 05/10/2018.

[2] Súmula nº 552 do STJ – “O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos”