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Impactos do reajuste do valor máximo dos benefícios do INSS na seara trabalhista.

No dia 12.01.2024, foi publicada a Portaria Interministerial MPS/MF nº 02/2024, que, entre outras disposições, reajustou os benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

De acordo com a Portaria, os benefícios pagos pelo INSS serão reajustados, a partir de 1º de janeiro de 2024, em 3,71%. Com isso, o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) passa a ser de R$ 7.786,02.

Desse reajuste decorrem impactos que ultrapassam as obrigações previdenciárias e são igualmente relevantes para o empregador.

No contexto do Direito do Trabalho, o valor máximo dos benefícios do RGPS se espraia para a operação de outros aspectos, sejam eles materiais ou processuais, repercutindo em alguns institutos do sistema de justiça trabalhista.

A partir da vigência da Lei 13.467/2017, conhecida como a “reforma trabalhista”, o percebimento de salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS passou a ser o critério para concessão do benefício da justiça gratuita. Antes da reforma, o benefício estava condicionado ao percebimento de salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, o que ia de encontro à previsão do art. 7º, IV, da CF, que expressamente veda o uso do salário mínimo como fator de indexação.

Aplicando-se esse percentual ao valor recém-atualizado, farão jus ao benefício os cidadãos cuja renda seja igual ou inferior a R$ 3.114.41. Para além das discussões acerca da legalidade de se estabelecer um valor fixo para o direito à assistência judiciária gratuita, a controvérsia reside em definir se a insuficiência de recursos para o pagamento das despesas processuais é presumida ou condicionada à sua comprovação.

Na primeira situação, bastaria a mera declaração de hipossuficiência financeira firmada pelo requerente ou por seu advogado para a concessão da assistência judiciária gratuita (Súmula nº 463, item I, do TST e art. 99, parágrafo 3º, CPC). Na segunda, a concessão do benefício da gratuidade da justiça exigiria, simultaneamente, percepção salarial igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS e a efetiva comprovação da situação de insuficiência de recursos (exigência inaugurada pelo art. 790, parágrafo 4º, CLT).

Em virtude da maciça aceitação da mera declaração de hipossuficiência para a concessão da gratuidade de justiça no âmbito da Justiça do Trabalho, o tema alcançou o STF (ADC 80), que foi instado a declarar a constitucionalidade dos comandos insertos nos §§ 3º e 4º do art. 790. Apesar de o relator da ADC 80, Ministro Edson Fachin, ter proferido decisão desfavorável ao prosseguimento da ação, a maioria do Tribunal, em julgamento do agravo regimental interposto, decidiu pelo seu processamento. Os autos foram feitos conclusos ao Relator em 28/11/2023 e o tema deve ser apreciado pelo STF em breve.

Outro instituto que tem como um dos critérios de fixação o teto dos benefícios do RGPS é o da litigância de má-fé.

A reforma trabalhista chamou de “dano processual” as condutas desleais praticadas por reclamante, reclamado ou interveniente em processos trabalhistas.

O dano processual enseja a aplicação de multa que varia entre 1% e 10% do valor corrigido da causa; o pagamento de indenização à parte contrária pelos prejuízos sofridos e pelas despesas que efetuou; além do pagamento dos honorários do advogado da parte contrária. Contudo, quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Considerando que essa tarifação alternativa da multa equivaleria hoje a R$ 15.572.04, emerge o questionamento acerca da compatibilidade entre este instituto e o anterior, da gratuidade da justiça.

Em novembro de 2022[1], a 5ª Turma do TST julgou recurso em que se discutia um eventual conflito, nos processos ajuizados a partir da vigência da reforma trabalhista, entre a penalização por má-fé processual e a gratuidade de justiça. Na oportunidade, o TST reiterou seus precedentes anteriores à reforma, no sentido de que não há qualquer previsão legal acerca da incompatibilidade entre o reconhecimento da má-fé processual e o deferimento da gratuidade de justiça, acrescentando que os institutos possuem, cada qual, regramento próprio.

Oportuno acrescentar que, nessa mesma decisão, a 5ª Turma do TST, na contramão das decisões proferidas pela maioria dos órgãos da Justiça do Trabalho, decidiu que, a partir da vigência da Lei nº 13.467/2017, para a concessão do benefício da gratuidade da justiça, exige-se não apenas a mera declaração de que a parte não possui condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do seu sustento e da sua família, mas, também, a efetiva comprovação da situação de insuficiência de recursos.

Outra mudança introduzida pela reforma trabalhista e que guarda relação com os institutos analisados até aqui diz respeito à fixação de limite máximo para as custas processuais.

O art. 789 da CLT passou a estabelecer, além do valor mínimo das custas (R$ 10,64), também um valor máximo, equivalente a quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (atuais R$ 31.144,08).

Vale lembrar que as custas processuais consistem verdadeiro pressuposto extrínseco de admissibilidade recursal, uma vez que, no processo de conhecimento, seu recolhimento é devido dentro do prazo recursal, juntamente com o depósito recursal. O beneficiário de justiça gratuita não pagará custas para recorrer.

Por fim, reforçando o espírito da reforma trabalhista, que flexibilizou significativamente as relações trabalhistas nos âmbitos coletivo e individual, o parágrafo único do artigo 444 da CLT inaugurou a figura do empregado “hipersuficiente”. Segundo o dispositivo, será classificado como “hipersuficiente” o empregado portador de diploma de nível superior e que percebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que corresponde, atualmente, a R$ 15.572,04.

A presença desses requisitos tende a conferir mais liberdade para que empregado e empregador pactuem as condições contratuais. Esse acordo individual teria, inclusive, prevalência sobre as normas coletivas nos assuntos previstos no artigo 611-A da CLT.

Como restou evidenciado nos exemplos elencados, o valor máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social assume contornos que sobrepujam as matérias de caráter previdenciário, sendo utilizado como referência e critério definidor de diversos institutos, de maneira que, a partir do seu reajuste, decorrem mudanças em aspectos materiais e processuais trabalhistas, sendo imperativo o acompanhamento dessas atualizações.

Contribuíram com esse artigo: Luciana de Azevedo Granato, advogada da área consultiva, e Isabella Magano, sócia

[1] TST – RRAg: 00101812620195030086, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 23/11/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: 25/11/2022